MENSAGEM DE NATAL DO BISPO DO PORTO

A revolução da ternura de Deus
Há dias, um casal amigo, a cujo matrimónio havia assistido, veio apresentar-me o Joãozinho, o seu primeiro rebento. Que ternura! Olhinhos muito abertos, boca quase a esboçar um sorriso, mãos que agarravam os dedos das outras pessoas. Os pais embebidos, com um sorriso cheio de felicidade. E eu não resisti e pedi à mãe autorização para o segurar ao meu colo durante alguns segundos.
O que mais me chamou a atenção foi o quadro gerado por estas três personagens: uma mãe a segurá-lo com um braço e a fazer festinhas com a outra mão e um pai estrategicamente colocado ao lado da esposa e atrás do filho, como sua retaguarda e segurança. Parecia-me mesmo uma imagem viva daquilo que nos aparece nos postais de boas festas: a Senhora com o Menino e São José absorto neste mistério de vida e de ternura. Neste caso, eu seria um pobre Pastor…
De facto, o Natal é Encarnação, é revelação do amor salvífico do Pai, é o Mistério de Deus a fazer caminho connosco na história, é presença do Espírito que transforma a face da terra, etc. É tudo isso, mas que nós podemos sintetizar numa única expressão: é a ternura de Deus! Por isso, deixamo-nos cativar pela nova linguagem do presépio; somos atraídos por aquele clima bucólico de animais, pastores, lavadeiras, padeiros; tornamo-nos crianças perante cenas que nos falam de harmonia e ternura. Tornamo-nos crianças… porque perdemos a ternura das crianças. E sem ternura, não vamos lá.
Urge recuperar a ternura. Sem ternura, a infância seria nascer sem graça; as brincadeiras de criança, competições de guerra; os sonhos da adolescência, um treino para a luta contra o mundo; os namoros juvenis, domínio e posse; a família, um calvário de violência; a empresa, uma luta de classes; o ministério sacerdotal, uma função de sobas; as redes sociais, uma metralhadora «legal»; a sociedade, um barril de pólvora; a cooperação internacional, uma miragem; a relação entre as nações, o exercício da lei da selva; a guerra, particularmente a atómica, um terror bem por cima da nossa cabeça.
Acredito, pois, que as pessoas, o mundo e as suas instituições só têm uma opção: ou a ternura do encontro pessoal, tornada visível num jovem casal e no seu primeiro filho, ou o efeito bola de neve da desafeição e do ressentimento que começa pequena, mas vai aumentando cada vez mais a ponto de levar tudo na frente. Sem pessimismos doentios, creio que o mundo está a escolher preferentemente esta segunda via.
Este Natal de 2025, após um belo ano de jubileu, pode constituir o momento para uma sensata tomada de consciência. Na sinalética da vida, pode ser a altura propícia para olhar em frente e descobrir os sinais que nos indicam a verdadeira via a ser seguida. E isto a começar por aquelas realidades nas quais podemos intervir: nas relações pessoais com quem conhecemos, no interior da família, no mundo do trabalho, no círculo das relações, na vida da Igreja. Se imaginarmos que vamos interferir ao nível das superpotências que podem fazer a paz e a guerra e esquecermos o pequeno círculo onde nos movemos, estamos muito enganados e alienados. Mas se o mundo intentar a modificação a partir das realidades simples, essa forma de viver atingirá todos os âmbitos, mesmo aqueles que parecem ultrapassar-nos.
A revolução da ternura é possível e necessária. E ela modifica tudo. Deus já nos deu o exemplo e o estímulo. Nós é que lhe fechamos os olhos e os ouvidos. Abramo-los neste Natal! Para nosso próprio bem.
Para todos, um Natal de ternura. Boas festas naquele Menino que é o próprio sorriso de Deus no mundo. Desejo-as aos diocesanos do Porto, ao seu Clero, Religiosos e Leigos, e a todas as mulheres e homens de boa vontade, mesmo que de outras crenças ou de nenhuma. Desejo-as particularmente a quem mais necessita de ternura, tal como as crianças, os pobres, os velhinhos, os migrantes, os abandonados e os sós.
Feliz Natal de ternura!
+Manuel Linda
Bispo do Porto
